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TJPE fixa indenização por violência psicológica com base na Lei Maria da Penha

A Justiça de Pernambuco condenou um homem por violência psicológica praticada contra a ex-companheira com quem manteve uma união de 36 anos. A decisão, da 1ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado, reformou a sentença de primeira instância que havia absolvido o réu.
De acordo com os autos, a mulher relatou ter sido vítima de humilhações, ameaças e controle emocional ao longo da convivência com o homem. Após a separação, em 2022, as agressões psicológicas teriam se intensificado, especialmente quando ela iniciou um novo relacionamento.
O homem se casou com outra pessoa e continuou a residir no mesmo imóvel que a ex-companheira e seus familiares, o que teria gerado um ambiente de constante tensão.
Além de perseguições e intimidações dentro de casa, o réu também expôs a vítima publicamente, com postagens ofensivas em redes sociais. Laudos e depoimentos indicam que a situação afetou a saúde mental da mulher, provocando insônia, crises de ansiedade e alterações em sua rotina social.
Em primeira instância, o juízo da Vara de Violência Doméstica e Familiar Contra a Mulher da Comarca de Camaragibe havia absolvido o acusado por falta de provas. A decisão foi contestada por meio de apelação, que teve parcial provimento pela 1ª Câmara Criminal do TJPE.
O colegiado concluiu que a conduta do réu se enquadra no crime de violência psicológica contra a mulher, previsto no artigo 147-B do Código Penal – CP, com incidência da Lei Maria da Penha. A pena foi fixada em 1 ano, 8 meses e 11 dias de reclusão, em regime aberto, além do pagamento de 28 dias-multa e de uma indenização por danos morais no valor de R$ 10 mil.
Mudança efetiva
Para a advogada Fernanda Lima, presidente da Comissão Estadual de Violência de Gênero e Violência Doméstica do Instituto Brasileiro de Direito de Família, seção Pernambuco – IBDFAM-PE, que atuou no caso, a decisão representa um avanço ao reconhecer o crime de violência psicológica praticado contra a mulher tanto durante a relação quanto após o seu término.
“Considero que o Tribunal demonstrou estar atento às condutas que podem vir a ser praticadas no ambiente doméstico, mas que não podem ser confundidas com afeto, ainda que socialmente predomine uma cultura de humilhação e submissão da mulher ao homem”, analisa. “Afeto não é controle e decisões como estas contribuem para uma mudança efetiva no respeito à integridade psicofísica da mulher.”
Além disso, ela destaca o valor simbólico da indenização por danos morais, uma vez que, segundo a especialista, ainda é grande a resistência ao dever de indenizar decorrente da violência doméstica de gênero.
Fernanda Lima destaca o Tema 983 do Superior Tribunal de Justiça – STJ, que trata da configuração do dano moral em casos de violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos da Lei Maria da Penha. A tese firmada pela Corte diz: "A configuração do dano moral, nas hipóteses de violência doméstica e familiar contra a mulher, prescinde de prova, sendo in re ipsa".
Isso significa que, nos casos de violência doméstica e familiar contra a mulher, o dano moral é presumido. Ou seja, não é necessário provar que a vítima sofreu abalo psicológico ou moral – o simples fato da violência já gera o direito à indenização.
“O recente julgamento do Tema 983 pelo Superior Tribunal de Justiça – STJ só produzirá efeitos concretos a partir de decisões que fixem valores indenizatórios. Ainda persiste uma lacuna na reparação efetiva das mulheres que enfrentam a violência justamente nos espaços onde deveriam encontrar afeto, segurança e proteção”, avalia.
Continuidade delitiva
A advogada também destaca que a decisão do TJPE reconheceu a continuidade do delito, considerando a prática sistemática de atos de intimidação e humilhação. Para ela, esse entendimento pode contribuir para uma responsabilização mais eficaz de agressores em casos semelhantes.
“Ao reconhecer a pluralidade de condutas – com reiteradas restrições à autodeterminação da vítima – dirigidas contra o mesmo bem jurídico, a liberdade individual, o Tribunal abre caminho para a construção de uma jurisprudência sólida, com dosimetria da pena mais justa e ajustada às especificidades de cada caso”, afirma.
Esse movimento, para ela, chega em momento oportuno, já que o artigo 147-B do CP entrou em vigor em 2021. “Somente agora, quatro anos depois, os processos alcançam a segunda instância. Ou seja, é realmente um posicionamento colegiado, que fortalece a aplicação da lei penal.”
Confira a decisão na íntegra no banco de jurisprudência do IBDFAM.
Por Guilherme Gomes
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